domingo, 31 de dezembro de 2017

GB - Ano Novo / Vida Nova

Compatriotas,

Mais um ano se inicia para nós os guineenses e para a Guiné-Bissau. Andamos desconsolados, fartos e saturados, com o rumo tomado pela terra que nos viu nascer.

Dos factos, ocorre-me que nos acenam: ora com pontapés na Constituição da República (CRGB); ora com marchas insalubres; ora com comícios festival; ora com discursos inflamados (como se dizia e bem-dito); ora com populismo barato; ora com divisionismo étnico ou fundamentalismos religiosos; ora com roteiros estapafúrdios; ora com qualquer outra irrelevância para o verdadeiro assunto, que é a sustentação de um futuro para o país. Tudo gira em torno do umbigo de uns tantos, desavindos, numa fenomenologia de flagrante retrocesso dos nobres e revolucionários ideais apregoados em 1973 para o Estado, mas que, como podemos hoje constatar à saciedade, nunca foram pelo Estado.

Quase meio século depois, o país parece não ter ponta por onde se pegue. Até quando e até onde pensam esticar a corda, continuar às turras, e na desordem brincar com a nossa paciência? Amarraram-se uns aos outros, em crise de si próprios, como já aconteceu no pós-guerra de 7 de Junho de 1998 e noutros golpes e contragolpes. Fazem-no, como sempre, para fazer perdurar o sistema, no qual aqueles que o comandam e os da órbita se mantêm no topo, beneficiando de contas chorudas, bens e património de avultado valor, aqui e no exterior. De maneira que, na rotatividade que se impõem, no vira o disco e toca o mesmo, na rotina de imoralidade, Conacri foi apenas mais um engodo e, para nós, os mais atentos e ansiosos, uma montanha que pariu um rato.

Todos já viram, vêm e sentem isto. Particularmente a Comunidade Internacional (CI), ou os ditos parceiros de desenvolvimento, que assistem, como nós, aos espetáculos gratuitos, medíocres, sem honra nem glória, das personagens políticas guineenses, nas passarelas nacionais, regionais e internacionais. Na mundividência neoliberal que assola África, os Estados que, sem razão plausível, se mantêm na cauda, por desestruturados, são simplesmente ignorados, como a sua própria população. Perante nós, os eternos pedintes, a CI vai dando migalhas para não desestabilizar a sub-região, ameaçando com utópicas sanções, fazendo-se clemente, sem, contudo, declinar do paradigma: a solução para a Guiné DEVE SER dos guineenses. Ou seja: INTERNA. A CI lava as mãos; os guineenses que se entendam!

SER aquilo que DEVE SER. Aquilo que nunca é, na Guiné. Eis uma falha de consistência estrutural, que nos tem afectado todos estes anos. Uma classe política parasitária que se limita a mascarar o SER atrás do PARECER. Tal facto deu origem a uma insuperável distância, do governante ao governado, que reduziu o Estado a uma simples aparência em rápida decomposição.

Camaradas,

Nesta cambança de Ano, somos um dos países mais pobres do mundo, um Estado fantasista, desacreditado, pedincha e desestruturado. Basta olhar e ver os resultados. Na realidade, vivemos num Estado onde a maioria esmagadora vive de “um tiro”. Um Estado cuja mortalidade é lastimável, com um sistema de saúde e salubridade pública extremamente precário, com um sistema de ensino em situação calamitosa. Um território abandonado no seu interior, onde é quimérico o controlo do mar interior, do mar territorial e do espaço aéreo; quanto mais o da zona económica exclusiva e a questão da conservação e exploração de recursos naturais. Um país que assina tudo o que são Convenções Internacionais e não possui nada em concreto que possa elevar a qualidade de vida das crianças, as expectativas dos jovens, algo digno de registo para alívio da condição miserável das mulheres, muito menos para defender o ambiente. Enfim, o séc. XXI vai fazer 18 anos, mas vivemos num autoproclamado Estado cuja utilidade social (exceptuando a segurança), é nula, já para não dizer negativa.

Eis o que É e não o que DEVE SER. Por isso, é evidente que não é o Estado que representa a Guiné-Bissau. É o SER Guineense: pouco mais de um milhão e meio de habitantes numa superfície de apenas 36. 125 Km2. Uma terra extremamente arável, entrecortada de rios, com mais de 80 ilhas e rica em recursos naturais. Gente pacífica, tolerante e acolhedora. “Piquinino na tamanhu, mâ garandi na fama”.

Guineenses,

Para que o que É deixe de ser e o DEVE SER passe a SER, é chegado o momento de se por na ORDEM os actores políticos e aqueles que se apropriaram do Estado. O povo guineense merece SER!

Isto não se admite! Já pagámos todos os pecados! Se é que tivemos algum, para merecer esta triste sina, enquanto POVO maravilhosamente multicultural e multirreligioso, o qual poderia até, nesse campo, servir de exemplo de tolerância e convivência pacífica para um mundo que parece inteiramente descontrolado, senão mesmo a caminho de grandes catástrofes. Não podemos já confiar nas panaceias habituais, mas também não podemos desesperar: temos a obrigação de manter a esperança, de propor novas abordagens, que possam abrir as mentes, descongelar os corações, ensinar a conviver com a diferença e a dar as mãos na construção de um mundo mais justo, mais solidário, mais rico.

Atenção, tal como perdemos a paciência com os nossos políticos, a CI perdeu-a com a Guiné-Bissau. Portanto tudo aquilo que se apelida de crise política só acabará com uma solução MADE IN Guiné-Bissau. E ela existe! Não nos venham dizer que passa apenas por eleições imediatas. Claro que não! Que ninguém vos convença! Se algo não mudar, no pano de fundo, estas não passarão de um novo atoleiro. Elas não foram, não são nem serão, a solução fulcral, inadiável, necessária, sustentável e duradoura. Basta olhar para os nossos 23 anos de democracia e para alguns dos que ascenderam à ribalta política e como o fizeram, os quais não deixarão oportunisticamente de se chegar à frente, como sempre.

A nível interno, estamos confinados ao voto expresso nas urnas. E a Assembleia Nacional Popular (ANP), enquanto o POVO não reivindicar a sua soberania directa, é o repositório dessa vontade popular: o PAIGC em maioria e o PRS em minoria. Assim votámos para nossa representação na MAGNA CASA e assim se mantém o status quo. Eleita, e em Plenário do seu colectivo, é o intérprete da vontade do povo, para exercer as responsabilidades que lhe cabem (preâmbulo da CRGB), como órgão máximo da soberania.

Pela situação do Estado e da governação, os Senhores da vontade do povo, são o PAIGC e o PRS, aos quais o povo ofereceu a representação das suas mais profundas aspirações. Não nos interessam Partidos todos partidos, nem nos causam mossa os respectivos problemas internos ou as más opções daí advenientes. Estamos fartos que abusem da representatividade concedida, desvirtuando o espírito dessa ingénua confiança, sempre renovada, todavia sempre traída. Não temos já força para acreditar no discurso do antagonismo pessoal especulado até às últimas consequências. Que querem para a nossa Guiné? Será pedir muito que pensem um pouco no nosso destino colectivo, que apliquem ao bem comum a energia estratégica que desperdiçam em querelas inúteis?

Senhores DDT (Donos Disto Tudo): o país também é vosso. Para além do que lhe devem, por vos ter elevado à responsabilidade governativa, seria bom que se orgulhassem de um contributo positivo para a triste e constrangedora realidade com que lidamos dia a dia, ano após ano. Qual o vosso papel? O pescador pesca e pode, ao fim do dia, avaliar os resultados do seu esforço. Quando tiverdes de responder no supremo tribunal da consciência, como vos apresentareis? De mãos a abanar?

Estes Senhores DDT devem ser encarcerados numa sala, em Reunião de Alto-Nível, acorrentados às cadeiras, sem pão e nem água, até de lá saírem com uma solução: a NOSSA e como DEVE SER. Entendam-se e arranjem uma fórmula! Mostrem que sabem ser responsáveis. Recordo-vos a grande esperança que acompanhou a constituição do governo de participação multipartidária, que inaugurou esta IX legislatura, mesmo se afinal a apregoada inclusividade acabou por se revelar frágil e forçada. Pois vão mais longe… As vossas forças estão equilibradas, neste momento: é o momento ideal para se unirem em torno de nobres objectivos, de estabelecer uma ALIANÇA PRÉ-ELEITORAL PAIGC-PRS, que defina uma sólida base de governação, de inadiáveis reformas e de revisão constitucional. Face a uma aposta destas, terão a vossos pés a comunidade internacional, terão nas vossas mãos o Presidente, terão garantido o apoio incondicional do povo guineense. Apliquem as energias tendencialmente conflituosas a controlarem-se uns aos outros, a prevenir que se desviam do justo e recto caminho, previamente traçado. Não duvido que o resultado de um referendo sobre esta proposta, nos termos da al. b) do art.º 85.º da CRGB., seria um esmagador SIM! Mas experimentem convocar tal fórum, o povo descerá à rua espontaneamente (não manipulado ou retribuído) e em massa, para com a sua alegria vos entupir os ouvidos e estimular o espírito para tal iniciativa.

Compatriotas,

Como mulher, mãe e cidadã, em apelo e sem agravo, neste NOVO ANO, pronuncio o PAIGC e o PRS, no mínimo que assiste ao Povo e à Nação, para porem cobro à anarquia constitucional prevalecente, ao presente mal-estar de mal-amados e de permanentemente vilipendiados e oferecerem-nos UM ESTADO. Lembrando-lhes que os Senhores são fabrico nacional. Chega de inconsciência, de rivalidades e de despautérios contra os nossos filhos e netos. Se quiserem, em nome do Povo, numa catanada soberana, inutilizarão definitivamente tudo o que por aí anda a espernear indevidamente.

A solução, a ÚNICA, como DEVE SER, passaria pela ALIANÇA em consciência nacional, em valor pátrio, em reconciliação, na verdade, na honra, na dignidade e na idoneidade. Por uma SOLUÇÃO DURADORA E SUSTENTÁVEL PARA O PAÍS E PARA O ESTADO. Pelo bem e interesse colectivos da Nação, pela Democracia e Estado de Direito, pelos desafios principais, pelo desenvolvimento. Uma junção de esforços, determinante para uma Governação democrática, longe do simulacro da inclusividade, longe da divisão de tachos e longe da roubalheira. Uma solução do Povo, soberana, nacional e patriótica que dê sinais firmes, fiáveis, do fim das cumplicidades na crise e reflicta os anseios mais profundos e a consciência da colectividade do ser social guineense.

A Guiné-Bissau e os guineenses exigem que o PAIGC e o PRS se juntem à sombra da Constituição da República na Assembleia Nacional Popular. Posto que esta decide sobre as QUESTÕES FUNDAMENTAIS DA POLÍTICA DO ESTADO (art.º 76.º da CRGB). São estes homens e mulheres, que juraram «fazer tudo o que estiver nas suas forças para cumprir, com honra e fidelidade total ao povo, o mandato de deputado, defender sempre e intransigentemente os interesses nacionais e os princípios e objectivos da Constituição da República da Guiné-Bissau» (art.º 80.º da CRGB); e finalmente, porque assiste ao PAIGC e não a outros, a condução da política geral do País e, em nome do povo, exercer o poder executivo e administrativo supremo da República da Guiné-Bissau (art.º 96.º da CRGB).

Neste Ano de 2018, para ser realmente Novo, o PAIGC e o PRS, deveriam obrigar-se perante o Povo, a uma aliança, a curto e médio prazo, nomeadamente e para já: reabrir a ANP e eleger novos titulares da Mesa, com perfil mais adequado e ajustado ao exercício de funções tão fundamentais e a tão dignos propósitos; prescindir de forças militares estrangeiras e recuperar a soberania nacional; preparar o caminho para uma NOVA CONSTITUINTE que promova a reforma da caduca Constituição de 1993, fazendo jus aos votos de 2014. Durante a transição e já em ambiente de aliança pré-eleitoral, congelar o Estado que não é Estado e não está apto sequer a fazer a gestão corrente, mantendo as Directorias-Gerais e os ditos Administradores Regionais, criando no seio da ANP um sistema de controle mútuo e transparente para assinalar e assinar as contas do “Estado” (saídas e salários); reabilitar a Comissão Nacional de Eleições, para organizar e realizar eleições credíveis e justas, para que da aliança pré-eleitoral, resulte uma parceria idónea, nomeadamente de cabeças que em sintonia concebam a X LEGISLATURA, para quatro anos ininterruptos de gestão de Estado e de estabilidade na governação deste nosso país.

Dessa aliança resultaria uma legitimidade absoluta para reformular a Administração do Estado (Função Pública, Defesa e Segurança, Justiça, sistemas de Saúde Pública e de Ensino), privilegiando a afectação dos parcos recursos aos sectores nevrálgicos; criar um Tribunal ad hoc contra a impunidade e a corrupção, para a instrução e o julgamento das pendências de crimes de Estado e contra o Estado, designadamente os económicos; e legislar para a moralização da vida política e pública, definindo as balizas e o perfil para ser candidato à titularidade de órgãos de soberania, estreitando a prestação de contas, extrapolando o princípio da responsabilização por coisa pública, tanto quanto possível, tornando os cargos públicos e políticos indesejáveis, pouco apetecíveis para qualquer perfil que não seja o do humilde servidor, fechando o cerco quanto à obrigatoriedade de se cumprir a lei por todos, em vez de a desvirtuar e subverter, como tem sido prática corrente.

Guineenses,

De acordo com as leis da República é apenas ao PAIGC e ao PRS que constitucionalmente compete, com legitimidade, definir a saída para o Estado guineense e salvar a Nação de mais este retrocesso, retirando a Guiné-Bissau da crise governativa, designadamente: anular a distopia e a desonra de Conacri, poupando-nos a decisões inconstitucionais e antipopulares. Sob pena de uma possível ACÇÃO POPULAR, nos termos do ponto 2 do art.º 2.º da CRGB, que poderá colocar um fim abrupto à reconhecida crise política de governação, tal como o pode igualmente o dever de honra das Forças Armadas de participar na reconstrução nacional, ao abrigo do ponto 2 do art.º 20.º.

Precisamos de uma ALIANÇA dos senhores representantes do poder popular eleitos no quadro democrático, aos quais há duas décadas se atribuiu o poder da condução do nosso destino. Temos direito a um Estado digno desse nome. Sairíamos à rua e seríamos às dezenas de milhar, compactamente postados da ANP até ao Palácio, pela Aliança, pela Nova Constituinte, pela Soberania, pela Estabilidade e pelo Desenvolvimento. Marcharíamos e até correríamos, contra a ditadura, a corrupção, a impunidade, o tribalismo, o fundamentalismo.

A ser esta nova ética para a Guiné-Bissau e o seu Estado, o mundo tirava-nos o chapéu, regressaríamos honrados ao concerto das Nações, os parceiros retornariam com força e aí sim, estaríamos aptos a nos desejar mutuamente, sem hipocrisia nem desconfianças, Feliz Ano Novo.

Com os desejos de realização das mais profundas aspirações do SER Guineense em 2018.

Carmelita Pires

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Manifesto de Adesão ao P.R.S.

Hotel Ledger Plaza




Muito boa tarde.

Os meus cumprimentos ao Partido da Renovação Social, ao Presidente, aos fundadores, ao Secretário-Geral, aos deputados da atual legislatura, aos demais dirigentes, às Mulheres, Homens e Jovens militantes; e a todas e a todos quantos hoje aqui se fizeram presentes.

Neste ato, dirijo-me a esta Assembleia, em meu nome e de mais de uma centena de guineenses que me acompanham, para apresentar o nosso Manifesto de Adesão ao Partido da Renovação Social.

Estou aqui perante vós porque acredito na Guiné-Bissau. Que tem tudo para dar certo:  tem-nos a nós, gente de várias raças e credos, gente bonita e alegre, gente simpática e generosa, gente corajosa e capaz. Temos a nossa terra entrelaçada de rios; temos chuva por demais; temos sol que abrilhanta as nossas almas; temos um chão fértil e generoso; temos uma mata luxuriante de verde; temos muito peixe; e muito, muito mais. Terra farta e saborosa, a nossa!

Compatriotas,

Permitam-me que me apresente, e ao meu percurso político, antes de convosco partilhar as motivações desta minha adesão, bem como as expectativas que me movem.

Sou jurista de formação. Julgo que essa minha opção ganhou corpo porque desde cedo tomei consciência das graves injustiças a que assistia no dia a dia. Quando via os grandes desprezarem os pequenos, o enriquecimento sem causa em detrimento da sociedade, a ascensão da mediocridade em prejuízo do mérito, os inevitáveis retrocessos em todas as áreas daí decorrentes, tomei a vocação de contribuir para a mudança do estado de coisas, assumi a minha quota parte de responsabilidade. Algo tinha de ser feito. Alguém tinha de o tomar a peito. Não o fiz por direito. Fi-lo por dever. Pela enorme dívida que sinto em relação a esta pátria, pela educação de luxo da qual sei que beneficiei.

No entanto, só comecei a fazer política como reação à guerra que me bateu à porta nesta cidade que me viu nascer e crescer. Posicionei-me contra os invasores estrangeiros, já que não alcançava o porquê dessa guerra, que tantas almas levou sem que as pudéssemos contar, ou tivéssemos tempo para as chorar. Valeu a pena? Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena. Alimentámos sonhos de Justiça com J grande. Esperanças que foram rapidamente traídas, e novamente afogadas em sangue. Os vícios estavam tão entranhados, que a revolução com que sonháramos se tornou em pesadelo, porventura mais doloroso que a rotina passiva com que antes nos tentavam anestesiar. Qual rabo di pumba? Assistimos impotentes ao regresso revanchista dos vencidos, com o seu cortejo de afilhados, sob novas e piores formas, numa mistura explosiva que não tardou em arrebentar-nos na cara. A corrupção galopante era alimentada por novas fontes de rendimento, com o tráfico de drogas a suplantar o de armas, que já antes nos conduzira à guerra.

Entretanto, filiei-me no PUSD, pelos seus ideais social-democratas, com os quais me identifico. Desempenhei vários cargos nesse Partido, que chegou a ser o terceiro maior do espectro político guineense, com dezassete deputados, e a assumir um papel de árbitro, para desempatar o bipartidarismo, que o método de Hondt favorecia na contabilidade eleitoral. Ascendi a Ministra da Justiça num contexto especialmente complicado, e tudo fiz para redignificar o poder judicial, devolvendo-lhe a independência que lhe atribui a letra e o espírito da Constituição, como instrumento privilegiado para o equilíbrio entre os vários poderes, os quais, no entanto, instrumentalizados pelos seus titulares, rapidamente degeneraram numa luta sem quartel pela supremacia absoluta, com os tristes resultados que todos conhecemos: mais intolerância tingida de sangue.

Com uma liderança do país fragilizada e incapaz de colocar um ponto final na violência, as Forças Armadas foram obrigadas a intervir, para rapidamente, sob pressão da Comunidade Internacional, cederem o poder a mais um governo de transição. Decidi que era chegado o momento de lançar a minha candidatura à Presidência do PUSD. Com a ajuda dos militantes mais empenhados, apesar da forte limitação de recursos, fizemos o melhor que pudemos. Os parcos resultados obtidos, foram suficientes para aprender, à própria custa, da impossibilidade manifesta dos pequenos Partidos ascenderem à esfera do poder. Não conseguimos passar a mensagem, perante uma realidade de bipolarização, nem conseguimos eleger qualquer deputado, apesar de significativas votações na Diáspora. A mobilização do voto útil foi mais forte.

Apesar disso, fui convidada para assumir novamente a pasta da Justiça, no governo de inclusão que se seguiu a essas eleições. Aderi de boa fé a essa proposta, mas rapidamente me apercebi que se esperava de mim uma postura simplesmente decorativa. Não me foram proporcionados meios, nem pude participar de quaisquer decisões, incluindo na minha área de competência, apesar do meu empenho. O crescente mal-estar que se seguiu, viria à luz do dia aquando da exoneração de Domingos Simões Pereira por parte da Presidência da República. Fui acusada de ingratidão, entre outros impropérios com que me brindaram.

Foi nesse contexto que, a convite da atual Direção cessante do PRS, iniciei uma aproximação ao vosso Partido, participando nas comemorações do 24.º aniversário, o que me serviu de pretexto para conhecer melhor o historial do Partido. Relendo o meu discurso por essa ocasião, constato que nada mudou e as suas palavras continuam válidas, como se fosse hoje. O PRS é hoje um Partido amadurecido, graças ao esforço da sua liderança, no sentido da contenção do discurso e de uma vontade de pacificação da sociedade. De um Partido de contrapoder, tornou-se um Partido reconhecido internacionalmente. Para mim, são sinais positivos de mudança, que me fazem acreditar na sua capacidade para convencer o eleitorado e vencer as eleições.

O maniqueísmo de uns tantos da nossa sociedade não apreciou a nossa decisão política de aproximação ao PRS. Porque não gostam da independência de espírito, de ideias, não gostam de nenhuma vontade séria e muito menos que se destaque qualquer vocação política idónea. Quem está com eles, é bom, quem está contra eles, é forçosamente mau. A campanha contra mim assumiu então contornos rocambolescos, com uma descarada ingerência nos assuntos internos do PUSD por parte de altos dirigentes do PAIGC que, durante a minha ausência do país, tentaram aliciar membros dos órgãos superiores do Partido para demitirem a sua Presidente.

Este género de golpes baixos a que chegou a política no nosso país, a campanha de insultos de que fui alvo, o bloqueio das instituições da República, o impasse que se gerou após o Acordo de Conacri, cujo teor e mecanismos de implementação tive, aliás, a ocasião de criticar fortemente na altura, desmoralizaram-me um pouco, e por isso, senti a necessidade de me afastar das lides políticas. Em novembro do ano passado anunciei assim publicamente a minha demissão do cargo de Presidente do PUSD. Foi um tempo de paragem, durante o qual recarreguei baterias, repensei a minha postura política.

Compatriotas,

Hoje, é DIA INTERNACIONAL DA PAZ, contudo, quando vejo o mundo cheio de guerras e de misérias e vejo a nós, neste pedaço de terra, a digladiar-nos para estar e nos mantermos no poder, vejo também que, em cidadania, tenho responsabilidades para comigo própria, para com os meus filhos e para com a minha Guiné-Bissau. Com a aproximação do V Congresso do Partido da Renovação Social, fui convidada para aderir a uma nova dinâmica, que se antevia com a recandidatura da atual Direção, apostada numa renovação tranquila. Senti, nessa abordagem, um carinho especial e uma aposta sincera nas minhas valências, que me revigorou a alma. Senti uma vontade genuína de romper com gente desonesta, com arrogantes, dados a grandezas e à ostentação, nepotistas, peritos na hipocrisia e na bajulação, que é preciso afastar da cena política e sancionar nas urnas.

Senti, tanto da parte do Presidente do Partido como do Secretário-Geral, um sopro de esperança. Cada um com as suas valências, senti-os apostados em manter a coesão do Partido em torno de um projeto aglutinador para o futuro. O PRS está hoje bem posicionado, perante o desnorte do seu principal adversário e o cansaço generalizado a que este deu origem junto da população, para protagonizar o volte face do qual a Guiné-Bissau necessita desesperada e inadiavelmente.

Acredito que a Guiné-Bissau pode renascer das cinzas com uma nova mentalidade, se alimentarmos uma visão clara e sustentável para o futuro. Nunca fui de me esquivar a desafios. Se há coisa que me irrita solenemente é ouvir o sempre eterno «Djitu ka tem» acompanhado por um virar as costas aos problemas que nos afligem. O PRS encontra-se num momento crucial para dar resposta ao desafio nacional. Decidi, por isso, aderir ao vosso grande Partido, do qual partilho os valores políticos: a LIBERDADE, a IGUALDADE e a FRATERNIDADE, o respeito pela DIGNIDADE e VIDA HUMANA, com vista à edificação de uma NOVA SOCIEDADE – JUSTA E SOLIDÁRIA. Considero que o convite que me foi endereçado é, por si próprio, significativo da vontade alimentada pela dupla que se candidata à renovação do seu mandato à frente dos destinos do Partido.

Renovadores,

Podem contar comigo! Vamos ser capazes de retirar a Guiné-Bissau da cauda do mundo, em prol da recuperação da nossa dignidade, cá dentro e lá fora. Vamos consagrar esse esforço de abertura do Partido e abrir o caminho para uma maior consistência ideológica, numa perspetiva local e identitária, de adaptação dessa ideologia à urgente renovação social de que carecemos para a mudança. A nossa realidade tem um elevado grau de exigência, pede-nos uma atitude proactiva e passos de gigante. Temos que dar O SALTO. Podem contar connosco para ajudar a pensar, a impulsionar, a conceber uma estrutura sólida que nos permita convencer o eleitorado a apostar no Partido, a aderir a uma dinâmica imparável que deve assentar num diagnóstico sociológico lúcido, no delinear de um coração ideológico suficientemente sólido e consensual, que estejamos dispostos a defender em comum, com a força das nossas convicções.

Não duvido que, se o conseguirmos, a mensagem vai passar e propagar-se pela maioria da população, e o Partido obterá excelentes resultados nas urnas, que lhe permitam sustentar propostas governativas consistentes. O maior dos desafios, consiste em o PRS estar apto a REESTRUTURAR O ESTADO. Saber como tirar o país do atoleiro em que se encontra. Como ‘arrancar’ com uma terra que continua a depender da cooperação, de financiamentos externos e de doações, a quase 100% dos casos, e que até a instabilidade política é paga pela Comunidade Internacional através do financiamento das eleições. Sair do círculo vicioso dos projetos que são sol de pouca dura, dos quais, perniciosamente, a maioria dos guineenses pouco ou nada beneficia. Como parar de ser o eterno pedinte que desperdiça dinheiros e impostos de outros Estados, se endivida à espera do próximo perdão.

Nos Estados desenvolvidos é o Estado que puxa a sociedade. Entre nós, face à degradação das instituições, temos que apostar na nossa RIQUEZA SOCIAL como alavanca para a construção de um Estado digno desse nome. Não vale a pena insistir na lengalenga habitual, é preciso apostar em fórmulas políticas originais, concebidas para a nossa própria realidade, constatada e provada. O caminho é começar a trabalhar com a PRATA DA CASA, que queira, que possa e que saiba pensar, definir estratégias consistentes e sustentáveis a partir da nossa realidade, a partir da realidade da nossa terra.

No interior do país prevalece o tradicional, na confluência entre grupos étnicos e numa invejável interação entre realidades culturais e religiosas diversas. Algo único em espaço geográfico tão exímio! Enquanto que, na capital, Bissau, identificamos uma miscelânea entre o tradicional, o moderno e as influências avulsas que nos chegam dos nossos vizinhos da costa ocidental africana. E, no exterior, fruto de várias levas migratórias, temos uma diáspora sacrificada e potencialmente profissionalizada, composta por muitos filhos da Guiné-Bissau sedentos de retorno.

Defendemos uma REVOLUÇÃO DAS MENTALIDADES que se traduza numa evolução tranquila e sem sobressaltos da nossa terra. Não temos uma cartilha, queremos uma partilha. Uma renovação feita de inovação, fazendo a ponte entre a nossa identidade tradicional e uma modernidade que teima em acenar-nos de longe, sem que nunca a consigamos alcançar. Sim, é possível conciliar estes objetivos, com criatividade, com empenho e com dedicação. Naturalmente, temos uma tarefa titânica pela frente. O pontapé de saída tem de incidir no reajuste da nossa identidade, do sentimento de pertença nacional e de cidadania. O ponto de partida deve ser a convergência entre as nossas raízes culturais e a mundividência que lhe subjaz. Pois, para a Guiné-Bissau crescer, nós, guineenses, temos também de crescer.

Compatriotas,

Relativamente ao desenvolvimento, estamos fartos de diagnósticos, de projetos e programas, sem que se notem quaisquer mudanças no panorama neurótico que há tanto tempo nos oprime. Estamos em vésperas de uma OPORTUNIDADE ÚNICA, desta feita, para o Partido da Renovação Social ir às urnas buscar a legitimidade e tomar as rédeas do Estado, preparando-o para as REFORMAS ESTRUTURAIS que é imperativo implementar.

Na nossa maneira de ver as coisas, reestruturar o Estado passa por projetá-lo para um novo patamar, alinhando pelas melhores práticas e os legítimos anseios do nosso povo.  Doravante, a nossa fasquia não poderá resumir-se, como até aqui tem sido, a pagar atempadamente os salários, por sinal de miséria. A nossa ambição não deve saciar-se de esmolas, nem o Estado vergar-se, como eterno pedinte, perante os diversos grupos de interesse que o mantêm refém.

Quer-me parecer que, se escolhermos criteriosamente as pessoas que mais merecem dirigir o nosso país, saberemos usar razoavelmente e dar valor àquilo que temos!

Sendo que, é mais do que evidente que qualquer política de desenvolvimento do nosso país, deve ser elaborada com base nos NOSSOS RECURSOS HUMANOS E FINANCEIROS. Por os pés na terra e apostar estrategicamente na agricultura, que emprega a esmagadora maioria da população ativa (parece-me essa a mensagem que os fundadores quiseram transmitir com a escolha das espigas na bandeira do Partido). Mas apostar também na pequena indústria agroalimentar; no ecoturismo, que não carecem de grandes investimentos. Concentremos os recursos que pudermos acumular numa racionalização das infraestruturas, como estradas, fornecimento de energia, desassoreamento dos nossos rios como estímulo do transporte fluvial. Só assim poderemos começar a tirar proveito da nossa integração regional.

Mas para isso precisamos inexoravelmente de SERENAR O PAÍS, DEVOLVENDO-LHE AS SUAS INSTITUIÇÕES. Refiro-me à Assembleia Nacional Popular, ao sector da Justiça, da Defesa e Segurança, da Administração Pública e do poder local. É perentório rever e reformular a Constituição da República, a lei eleitoral, a lei dos partidos políticos, entre outras. A simples FORMA não é tudo, todos sabemos que não basta a letra das leis. Mas é preciso recomeçar por algum lado. O esforço seguinte será de lhes emprestar SUBSTÂNCIA, que o espírito das leis não seja sistematicamente subvertido, por gente sem escrúpulos, guiada apenas por mesquinhos interesses conjunturais.

Amigos Renovadores,

Estamos certos de que, se soubermos fazer uso das oportunidades, se aproveitarmos com pragmatismo a dinâmica social existente, vamos conseguir renovar. Basta que as coisas comecem a funcionar. O mínimo que possamos fazer vai certamente dar resultados, vai dar frutos e vai haver retorno. Depois de acionar o motor de arranque, a máquina vai certamente embalar.

Muitos do PUSD, com o meu conhecimento e aval, em 11 de março passado, aderiram ao PRS. Hoje, voltamos a aderir em grupo, homens e mulheres, e um grupo significativo de jovens de outras filiações partidárias, ou sem ela. Vimos também em opção própria, individual e de consciência, apostando na abertura do Partido à renovação das suas idiossincrasias e na nossa mais valia junto do PRS. Regozijo-me com a motivação e, na parte que me cabe, para os que se juntam em apreço à minha recomendação, agradeço-lhes pela confiança. Estamos juntos!

Para que, com um trabalho partidário solidário e coeso, em diálogo permanente, na crítica e autocrítica construtiva, possamos conjuntamente reforçar a dinamização em curso no PRS, preparando-nos para vencer o desafio da promoção do INTERESSE NACIONAL e da CREDIBILIDADE GOVERNATIVA.

Minhas Irmãs do PRS,

Neste ato, não poderia deixar de me dirigir a vós. Para me congratular com a vossa presença, sabendo o quanto é difícil à mulher guineense enveredar pela política, onde é normalmente usada na mobilização e, às vezes, como floreado do poder politico, apenas para mostrar que foram cumpridas envergonhadamente quotas mínimas. Quando, não nos faltam leis e mecanismos de promoção da igualdade de género, tanto ao nível nacional, sub-regional, continental, como internacional.

Temos que ser tidas e achadas na esfera de decisões. Porque a mulher guineense tem uma larga experiência, quando se trata de servir, quer no âmbito familiar, como no comunitário. A mulher guineense, principal vítima da instabilidade política crónica, é condescendente, permissiva e até sofredora, por vezes; é contra a violência e não é corrupta; é boa profissional, lutadora, decidida e voluntariosa. Todas estas são qualidades que gostaríamos de valorizar na política.

O desafio não são lugares nem são quotas para as mulheres. O verdadeiro desafio vai muito mais além. Temos que saber unir os polos, HOMEM e MULHER (MATCHUNDADI e MINDJERDADI), para conseguirmos um equilíbrio e mitigar a cultura machista que nos tem oprimido, a nós, mulheres, no nosso país. É importante a nossa atuação para que a família guineense se entenda, para que os homens dialoguem, se unam em defesa do bem comum, saibam falar com o coração e não nos esgotem em intermináveis disputas pelo poder. Aos homens pedir licença, pedagógica e educadamente, mas estar atentas e conscientes para a importância do nosso papel. Afinal são os nossos homens! O que me faz lembrar um provérbio africano: «Se educas um Homem, educas um indivíduo, mas se educas uma Mulher, educas uma nação». Façamos, pois, ouvir a nossa Voz, a nossa fala!
Estou hoje aqui a entregar-me de coração nas vossas mãos. E não vim sozinha! Viemos engrossar as fileiras das mulheres guineenses que trabalham lado a lado na renovação social da Guiné-Bissau, nô terra. Vamos pôr-nos de pé e ao lado dos homens? Vamos fazer acontecer a política?

Uma palavra aos Jovens do PRS.

A verdade é que, na nossa terra, a política para a juventude tem sido apenas para inglês ver. Para além da desestruturação das famílias, da fraca qualidade do sistema educativo, os jovens, que são a grande maioria da população, foram votados às bancadas, às filas para visto na embaixada de Portugal e às tentativas de emigrar através de canais fraudulentos da sub-região, na busca por uma vida melhor no ocidente. É esta a dura realidade da juventude, nua e crua. Um stress permanente que se arrisca a levar-nos a flor dos mais insatisfeitos e empreendedores, que tanta falta fazem ao nosso país. Perante a ausência de oportunidades, a Europa, a América, tornam-se sinónimos de paraíso, que, de facto, não são.

Queremos trabalhar na forja das vossas oportunidades, para que possam ter uma vida promissora em Bissau ou em qualquer canto do nosso país, e para que ela seja melhor que a proporcionada à minha geração e às outras que a antecederam. Os vossos sonhos e aspirações, são causas legítimas, já adiadas por demasiado tempo. Desejamos ardentemente que os Jovens e a Juventude do PRS se venham a sentir ORGULHOSOS DE SER GUINEENSES e lhes seja permitido viver o desenvolvimento da e na nossa terra.

Prezado Presidente Alberto Nambeia,

É minha profunda convicção para as próximas legislativas que o PRS inaugurará um novo período da nossa jovem democracia. Por estar convencida que o Partido enfrentará vitoriosamente os desafios que tem pela frente, fazendo jus à sua liderança tranquila e empenhada. A sua capacidade de mediação, de reunir as pessoas, de as unir em torno do engrandecimento do Partido, insufla confiança e inspira-nos entusiasmo.

É graças a si que temos, no momento histórico que o país atravessa, um PRS mais amadurecido, apto, como nenhum outro partido, para um combate político eficaz e para se afirmar positivamente como uma ALTERNATIVA SÉRIA DE PODER. Não duvido que, se soubermos manter a unidade e a coesão internas, estaremos a caminho de uma maioria, e, muito provavelmente, de uma maioria absoluta.

O país precisa de uma LEGISLATURA DE RENOVAÇÃO SOCIAL E DE PROGRESSO SUSTENTÁVEL. Por isso, Presidente Nambeia, para nós, aqui presentes, aderentes ao Projeto PRS, fazemo-lo convictos e impregnados de patriotismo e civismo, de alma e de coração, apostados em contribuir para o reforço da coerência e da consistência do Vosso e, agora também, NOSSO grande Partido. Contamos, Senhor Presidente, com a vossa benevolência, com o vosso apoio, com a simpatia dos dirigentes e militantes do Partido. Confio nas virtudes do trabalho de equipa.

É, pois, uma honra e um privilégio apresentar publicamente a nossa adesão à militância no PRS, juntar-nos ao coletivo de mulheres, homens e jovens que defendem a bandeira da Renovação Social.

Já como Renovadora Social,

Agradeço, do fundo do coração, aos que me acompanham.
Agradeço a receção que nos foi feita.
Agradeço, em especial, à Direção das estruturas partidárias convocadas e aqui presentes, por nos terem proporcionado este momento.

Last but not the least, permitam que agradeça à minha família, que é o meu sustentáculo e aceitou esta minha opção política.

Muito obrigado Senhor Presidente Alberto Nambeia.
Muito obrigado Senhor Secretário-Geral Florentino Mendes Pereira.
Muito Obrigado dirigentes do PRS.
Muito obrigado ao Partido da Renovação Social.

VIVA A GUINÉ-BISSAU!
VIVA O PRS!

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Transparência versus Corrupção

Convidada pela Associação Sindical dos Magistrados Judiciais Guineenses (ASMAGUI), fiz-me presente como participante e moderadora no Seminário Internacional “Corrupção e Fragilidade das Instituições Políticas e Judiciais”, realizado no passado dia 15 e 16, em Bissau, onde aproveitei para juntar a minha voz, explanar sucintamente a minha visão relativamente ao fenómeno da corrupção na Guiné-Bissau, numa tentativa de enriquecer e subsidiar os conteúdos temáticos abordados, essencialmente, responder ao repto a “Renovação do Compromisso Ético”.

No Seminário, muito bem organizado, participaram juristas de alto gabarito: juízes vindos de fora, do Brasil, de Moçambique e de Portugal; os nossos magistrados; advogados; conselheiros jurídicos; e, como uma cereja em cima do chantili, ou melhor, ‘quil sal cu ta da bianda gustu’, o nosso constitucionalista, o Professor Doutor Emílio Kafft Kosta.

Todavia, porque me soube a pouco, trago aqui à colação outros dados fantasmagóricos sobre o fenómeno corrupção: reportando-o à presente crise político-institucional; algumas pinceladas da sua ramificação no seio do poder judicial; e, claro, indicando os atalhos que perfilho para a redução do fenómeno no nosso país.

Ainda moça, nesta cidade, assistia ao germinar da corrupção no seio do Estado de partido-único. Quando, no centralismo democrático e na economia centralizada, dignatários estatais e sua entourage se apropriavam de bens do coletivo e jogavam cartas elevadas já visíveis aos meus olhos juvenis. Era uma corrida a contrarrelógio para ter um pé na Comissão de Confisco e adquirir/apropriar, por uma bagatela, a propriedade imobiliária desta cidade. Para determinados chefes, tudo valia para o enriquecimento indevido, conveniente à assunção do novo status de herdeiros da urbanidade conquistada a sangue no mato. Guerra que ainda subsiste entre uns poucos de vivos. Era prenderem-se entre eles, com altos dirigentes a cumprirem pena na prisão de Brá por desvios de bens públicos. Era o Chefe a distribuir benesses subtraídas ao erário publico aos seus fiéis. Era escamotear esses novos bens em nome de filhos ou outros familiares. Eram testas de ferro nas operações ilícitas. Era ver quem beneficiava e o que se poderia tirar da Cooperação. Era, inclusive, corromper o espírito e as almas das senhoritas, para ver quem ficava com a mais apetecível. Alguns de nós, muito jovens, assistimos ao cultivo da raiz da corrupção do e no Estado, aquela que ainda hoje e cada vez mais nos assola. 

Entretanto, meados dos anos 80, com o Estado na banca rota, chegam em socorro as instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial), com o «Reajustamento Estrutural» e a «liberalização económica», melhor denominada de selvagem. Os titulares do poder assumem a autoria do capitalismo na sua vertente neoliberal. Travestem-se, formam e formatam comerciantes da política e seus descendentes que, podendo, necessariamente, viriam a assaltar o poder. Criam empresas de capitais mistos (nacional e estrangeiro), onde figuram nomes de filhos e comadres, com subvenções dadas à cabeça pelo investidor estrangeiro. Vêm as luvas, as % ‘s de comissão e o «sucu di bás». Outros, para sobreviver, para arranjar alguma liquidez, tinha que ser ‘coloca li, coloca lá’, ou então, fazer plantão nas portas das Finanças Públicas munidos de ‘títulos’ forjados. Tudo se privatizou, num adeus ad eterno às maiores empresas públicas. Tudo se tornou alienável, até a moral e a ética. Estava-se a preparar a época seguinte: liberalização politica. Lançava-se o rastilho da guerra civil na cidade, centro privilegiado da corrupção do Estado, com o tráfico de armas para os independentistas de Casamança, fruto de um Relatório Parlamentar que, tipicamente, nunca chegou a conhecer a luz do dia.

A força que o fenómeno da corrupção adquire no Estado e na sociedade acaba por tornar o país aliciante para pessoas e organizações criminosas estrangeiras, atraídas para este porto seguro, onde, efetivamente, com uns trocos, se podia obter o desejado respaldo nas lideranças do Estado. Entre outros dados, a prova evidente é que, nesta cidade, a cocaína teve honras de guarda no Tesouro Público. Tudo numa transversalidade na qual o senso comum, o societário e as próprias instituições estatais, inclusive as que deveriam velar pela aplicação da lei, premeiam o criminoso, sendo este visto como o mais esperto, numa perspetiva de ‘djireça’ e de ‘matchundadi’. Eis o paradigma!

Uma nova esperança despontava das eleições gerais de 2014. Ainda que a Guiné-Bissau se classificasse na 163.ª posição, no índice da Transparência Internacional de 2013, o 12. ° país a nível mundial com mais corrupção…

Porém, logo no início da XIX legislatura, em menos de um ano de governação, o Presidente da República, em discurso oficial, aponta o dedo ao Governo e denuncia alguns dos seus membros como indiciados em corrupção. O Governo riposta com os dólares angolanos, omitidos durante a campanha presidencial; e defende-se invocando perseguição politica: que esses atos, a terem sido cometidos, faziam parte do passado dos governantes. Ninguém se demite ou é demitido. Apesar de se ter anunciado um debate sobre a Justiça, este nunca veio a realizar-se. Entretanto, alguns dos seus membros são chamados pela tutela penal e um outro preso, todos na suspeição frequente de situações de apropriação e utilização de bens e recursos financeiros públicos para seu benefício privado. Para, então, no seio do Governo, surgir quem publicamente defendesse: «Quem não é corrupto?». Pois, nestes termos é verdade: «Anós tudu i kuruptu». Uns porque corrompem, outros porque são corrompidos, e outros ainda porque toleramos este estado de coisas.

Aqui estamos! No vermelho do índice de transparência e da não prestação de contas. Começou pela não apresentação de declaração de rendimentos e do património, por parte de muitos titulares de cargos públicos; vieram as acusações mútuas de desvios do FUNPI; veio o resgate bancário; veio o buraco no Desporto… Como se não soubéssemos da proliferação, no seio da administração, da utilização de documentos fraudulentos em concursos públicos, nas adjudicações diretas, nas obras públicas, pela autoridade tributária, pelas autoridades policiais, na área da saúde, na área da educação, etc.

Ademais, mas não de somenos importância, a problemática dos conflitos de interesse concorre para o potencial da corrupção e da falta de transparência. Há quem, violando sistematicamente as normas das incompatibilidades de funções, apesar de ser titular de um já por si não acumulável cargo político (deputado, membro do governo, conselheiro, etc.), não repugna ser também comerciante. E lá vão todos para a campanha do cucu!

É evidente que sem vontade política a nível institucional no sentido do combate efetivo contra a corrupção e a implementação de uma política de transparência nas atividades públicas, as instituições formalmente criadas e vocacionadas para o efeito (Tribunal de Contas, Inspeção Superior de Contra a Corrupção, o Gabinete de Luta contra a Corrupção e os Delitos Económicos da PGR, a Brigada de Delitos Económicos da PJ, o CENTIF – Célula Nacional de Tratamento de Informações Financeiras da Guiné-Bissau – e a UTC – Unidade Transnacional contra a Criminalidade) continuarão inativas e não passarão de uma mera miragem.

E quanto ao nosso poder judicial? 

A falta de transparência é diagnosticada ciclicamente no interior das instituições judiciárias encarregadas de prevenir e combater a criminalidade. Assustámo-nos quando, pela primeira vez, um Presidente da República denunciou o fenómeno de corrupção nas atividades judiciais. Com estes sintomas, nesta legislatura, face à crise político-institucional, ora hoje um Acórdão e outro amanhã, ora denúncias de viva voz dos próprios magistrados da ‘politização da justiça’ aquando das eleições no STJ. Não nos fazendo de esquecidos que outrora, era o PR que indicava o Presidente do STJ. Extinto o vínculo, em 2008, preferia-se ofertar aos magistrados viaturas novas e de alta cilindrada.

A salvação do poder judicial da sua promiscuidade com o político, da falta de transparência e da corrupção no seu seio, só poderá acontecer através do associativismo e não do corporativismo, numa junção de esforços e de coragem para duas ações, apenas: 

Primeiro, recuperar a credibilidade do sistema de justiça, funcionalizando a transparência junto aos Conselhos Superiores de Magistratura, designadamente através do compromisso que nesse sentido consta da «Carta de Ética dos juízes guineenses», com uma gestão idónea, com a prestação de contas e com a responsabilização. Para isso: auditar o Cofre Geral dos Tribunais e criar mecanismo de controlo interno e externo; apresentar relatórios anuais; realizar inspeções judiciais e publicá-las; fazer uma gestão mais racional dos fracos recursos disponibilizados pelo Estado para o funcionamento da Justiça.

Em segundo, seria pôr freio às apetências do poder político no sistema judicial. Sinal claro seria o normal funcionamento da Magistratura do Ministério Público, retirando-a dessas amarras, extinguindo o vínculo de comando. Para que o MP deixe de ser o parente pobre do sistema e para que a sua chefia tenha legitimidade própria, perfil, competência, duração de mandato e seja idoneamente responsável pela tutela penal. Talvez assim se deixasse de investigar aquilo que se quer, a quem se quer, quando se quer, e com suspeições de uma tendenciosa orientação política. Assim como, outro sinal imediato, consistiria em resgatar o Tribunal de Contas das mãos da mesma subordinação.

Sabemos que a corrupção continuará a assolar o mundo e a pesar acerrimamente no potencial de desenvolvimento de África, mas também há bons exemplos, de países que conseguiram erradicar essa prática ou reduzi-la para níveis insignificantes. A experiência mostra-nos que a transparência é um fator indissociável de uma luta anticorrupção eficaz. A corrupção começou por minar a confiança entre nós, a unidade nacional em torno do progresso, alastrou e conduziu-nos à guerra, aos insaciáveis e fratricidas apetites que tornam o país ingovernável, induziu a dissolução da autoridade do Estado e o descrédito cada vez mais agudo das instituições. É como um cancro que rói a sociedade guineense, um rolo compressor que nos esmaga sob a capa da tolerância cada vez maior a que somos obrigados, para com a normalização de comportamentos manifestamente intoleráveis, que tomaram conta das mais altas instâncias deste país. Quando julgávamos que já tínhamos batido no fundo do buraco, descobrimos sempre que ainda se pode descer mais baixo. Até quando?

quarta-feira, 7 de junho de 2017

7 de junho: Justiça com J grande?

A História de um país faz-se com a SUA História.
Para o ano serão 20 anos...!
Gostaria de poder retirar uma vírgula do escrito no ano passado.

domingo, 4 de junho de 2017

O Quinto Poder


Ontem, dia 3, fui até à Tgb, para um Djumbai em direto, convidada por Mohammed Amadú Djamanca, no seu programa Guigui. Talvez a audiência não tenha sido muito alargada, pois tive de concorrer, no mesmo horário, com Ronaldo, com o seu Real de Madrid: a caminho dos estúdios, reparei em grandes manifestações de alegria, que um golo acabara de despertar.

Numa conversa descontraída, passámos em revista o meu percurso pessoal, com o jornalista a levantar algumas questões bastante pertinentes. Algumas delas fiquei com uma certa sensação de insatisfação por não lhes ter respondido com a profundidade que mereciam, mas o tempo era curto e não se prestava a grandes discursos. Agora, com calma, decidi sentar-me e escrever algumas reflexões, que me afliguem. Há pouco, quando comecei a escrever, era para ser coisa breve, para colocar no Facebook. Mas, pensando melhor, esse talvez não seja o canal mais apropriado para este tipo de pensamentos mais estruturados, tal como decerto não era também este programa de televisão, onde manifestamente não podiam caber. Sinto que muita coisa ficou por dizer…

Djamanca, a certo momento, quis testar o posicionamento assumido com a minha demissão de Presidente do PUSD, referindo-se a mim como «reformada da política», ao que reagi instintivamente, como que para contrariar, sem me dar conta que esse é exatamente o meu estatuto atual. Acabo, pois, de tomar uma decisão. Criarei um novo blog, para servir esta minha vocação para a política, que se tornou parte de mim. Como afirmei ao jornalista, sinto que tenho a minha quota-parte de responsabilidade no futuro do nosso país; sinto que tenho uma imensa dívida para saldar; sinto que pertenço a uma geração privilegiada ao olhar para o estado em que se encontra hoje a educação na Guiné-Bissau. Tivemos uma educação de grande qualidade e representávamos a esperança, traduzida pela expressão «as flores da luta», na execução do «programa maior».

Quando abandonei a presidência do PUSD, esta era para mim uma atitude de desgosto, talvez também, um pouco, de cansaço, perante a interminável decadência do sistema político, perante um poço do qual não via o fundo. Cada vez mais me abominava participar num cenário nacional em contínua degradação, numa peça sem fio condutor, de um elenco cujos atores se movem anarquicamente no palco, parecendo querer, sem dó nem piedade, atirar o povo guineense para a cauda das nações. Foi o que quis significar quando afirmei no programa Guigui que me fartara de dizer «Basta». Pretendia igualmente exprimir uma certa sensação de impotência face à génese de uma crise anunciada, perante os diálogos de surdos com os quais insistem em atrofiar o meu belo, rico e amado país. Tratava-se também, de certa forma, de «lavar as mãos». Porquanto tentei, em 2014, talvez um pouco ingenuamente, oferecer aos guineenses uma alternativa eleitoral, colocando os meus parcos recursos, com evidente prejuízo da minha família, ao serviço de uma aparentemente utópica renovação, apelando à união dos pequenos partidos, sempre castigados pelo método de Hondt, destinado este a manter a hegemonia do(s) maior(es) partido(s), sob o fraco pretexto de, em prol da governabilidade, favorecer maiorias. Efetivamente, o que vimos nessas eleições? Nada que fosse novidade: o PAIGC sabe unir-se para vencer as eleições, alimentando sempre novas esperanças, mas, passada a euforia da vitória, começa a repartição dos despojos, cindindo-se em múltiplas alas, alimentadas pela ganância dos lugares ao sol no governo, concebido como uma galinha dos ovos de ouro, a qual se obstinam em matar, numa ânsia cega de servir seus próprios e individuais interesses, sem respeito pelo próprio Partido, e muito menos pelos interesses nacionais e coletivos. Não vivemos numa res pública, senão apenas numa res privatizada. Na cultura desse Partido, parece ainda não estar assumido que nem todos podem governar. Era esse o sentido da minha resposta ao jornalista do programa Guigui, em face da questão crítica quanto à inclusividade do Governo de Domingos Simões Pereira.

Se aceitei, num primeiro tempo, cheia de esperança, participar empenhadamente e de boa-fé nesse governo, rapidamente me apercebi que, uma vez mais, o PAIGC estava envolvido nos habituais jogos de poder e compromissos partidários, sentindo que a inclusão rapidamente se estava a transformar na minha própria exclusão e numa marginalização do papel da Justiça. Cada vez mais me apercebia que não fora convocada para um papel interventivo, mas antes para simples figurante, ou mesmo pior, para encobrir certas coisas com as quais a idoneidade que sempre me norteou não podia tolerar. Não querendo também parecer ingrata, fui adiando até ao limite do tolerável a tomada de uma atitude. Apresentei o relatório de mais um breve período de governação, que obviamente me deixou insatisfeita, pois, como disse no programa televisivo, isentando-me a mim e a outros de responsabilidades nos falhanços, não é possível deixar obra, se, precisamente quando começamos a tomar os assuntos em mão, nos retiram a confiança política. A liderança do PAIGC, não soube introduzir as mudanças que se impunham para encarnar a esperança nele depositada, continuando o seu Partido, como sempre, na origem dos principais problemas. Ao invés de uma ideologia forte, como aquela que Cabral soube criar e alimentar, conduzindo o nosso país à independência, e ajudando pelo caminho o povo português a libertar-se do sistema colonial, esse Partido nada mais parecia poder oferecer para além da já gasta luta de galos pelo poleiro, em manifesto prejuízo de todo um povo.

Solicitou-me o jornalista Djamanca que analisasse sucintamente o Acordo de Conacri e os precedentes que lhe deram origem. Tentei resumir brevemente, mas gostaria de o fazer mais pormenorizadamente, para melhor compreensão. Lembrando que perante a entrada em rota de colisão dos titulares dos órgãos de soberania, nomeadamente o Presidente da República e o Chefe do Governo, José Mário Vaz e Domingos Simões Pereira, se criara uma primeira situação de impasse, com expressão em clivagens internas, por essa altura ainda subterrâneas, no seio do Partido vencedor das eleições, a qual foi rapidamente resolvida (Governo caricatamente apelidado de 48 horas) pela intervenção atempada do poder judicial, ao ordenar a devolução do Governo ao PAIGC. No entanto, a emergência dessas divergências ‘wandan’ (à luz do dia), no seio da ANP, conduziu à inviabilização dos instrumentos de governação desse novo executivo liderado por Carlos Correia, nomeadamente o seu Programa e Orçamento, implicando a sua queda, e dando origem ao caso dos «15» deputados dissidentes, que o PAIGC expulsou e quis substituir no Parlamento. Tendo-se uma vez mais recorrido a uma arbitragem do poder judicial, o Plenário do Supremo Tribunal considerou ilegal a perda de mandato decidida pela Comissão Permanente da ANP, que para tal não tinha competências, mas tão só e apenas o respetivo Plenário. Desde aí, a crise transferiu-se para a ANP, que após sucessivos adiamentos, nunca mais chegou a reunir o seu Plenário, único soberano, o que motivaria a queda de um segundo Governo de Baciro Djá, desta-feita sem que o Supremo Tribunal se tivesse pronunciado. Ou seja, esgotados todos os expedientes para obter uma solução consensual interna, baseada na Constituição da República, nos quatro poderes já elencados (PR, ANP, Governo e o Judicial), recorreu-se a um «quinto» poder, como lhe chamei na entrevista, o da CEDEAO, que lhe é exterior e alheio. 

Concomitantemente, os atores políticos guineenses, incapazes de se entenderem, tomaram a iniciativa de transferir parcela da soberania nacional para o exterior, em flagrante violação da Constituição da República, tal como defendi publicamente na altura, e não fui obviamente a única. O assim chamado Acordo de Conacri deveria supostamente resolver definitivamente o impasse que se criara. Todavia, como disse neste Djumbai, quando o respetivo texto foi publicado, fomos vários os analistas e comentadores a renovar grande ceticismo quanto ao seu alcance, pelas suas lacunas, tal como a sequência dos acontecimentos viria a demonstrar. E não tardou mais que um dia, para que a sua inconsistência se manifestasse e se multiplicassem as divergências quanto à sua interpretação, dando lugar a leituras desencontradas. Segundo constou, o PAIGC, que durante a ronda negocial de Conacri insistira no nome de Carlos Correia, pela voz do seu presidente, Domingos Simões Pereira, e no de Mário Cabral, pela voz de Cipriano Cassamá em representação da ANP (nem um nem outro pertencentes à lista dos três nomes propostos pelo Presidente), ventilou que o escolhido fora Augusto Olivais. Ora, o PRS, em reação imediata, pela voz do seu representante, Florentino Mendes Pereira, garantia-nos, pelo seu lado, à chegada a Bissau, vindo de Conacri, que nunca se aflorara tal hipótese na mesa de negociações, declarando que o PRS e o chamado «grupo dos 15», a quem aliás o Acordo reconhecia identidade como sublinhei no programa Guigui, aceitariam qualquer dos três nomes propostos (Olivais, Fadiá e Sissoco), confiando a decisão ao Presidente José Mário Vaz.

Efetivamente, o PRS, o qual pode ser legitimamente acusado de oportunismo, mormente nas recorrentes situações atípicas da nossa democracia, de uma desenfreada caça às pastas, parece ter revelado no atual contexto, uma certa inteligência e maturidade, que lhe facilitasse a lavagem da cara, no caso, mais que previsível, de a coisa correr mal, evitando envolver-se ativamente nas decisões, deixando esse ónus a José Mário Vaz e aos «15», chegando mesmo a defender que não se opunha à indicação de uma figura independente e de fora das quezílias políticas em apreço. Desde aí, o novo ponto de discórdia, em torno do qual passariam a girar os acontecimentos, seria qual o nome escolhido em Conacri. Acontece que, a nomeação de Umaro Sissoco, como bem sabemos, desagradou, para além do PAIGC, ao mediador, com o recém-nomeado Primeiro-Ministro a agravar a situação, ao acusar, de forma desprestigiante e muito pouco diplomática, o Presidente da União Africana, Alpha Condé, de mentiroso. Toda esta situação poderia ter sido evitada, se a letra do Acordo assinado pelos representantes dos vários atores não fosse tão vaga e imprecisa, abrindo brechas perante a flagrante ausência de consenso. Deveria ter sido um pressuposto a exigência de mecanismos claros para induzir uma cabal execução do Acordo, atendendo à própria gravidade dos precedentes.

Permito-me, neste caso, falar com inteira propriedade, sem receio de ser acusada de parcialidade, pois fui das pessoas que marcaram bem, inclusive em declarações à televisão nacional, a oposição à «solução» encontrada no âmbito deste Acordo. Não obstante, não posso deixar de anotar alguma imperícia por parte da nossa organização, a CEDEAO, na tomada do processo guineense em mãos. No meu parecer, o problema foi claramente subestimado, bem como a densidade da crise política guineense, parecendo-se acreditar que a simples boa vontade ou declarações de boas intenções, associada ao peso da organização sub-regional seriam o suficiente para forçar o entendimento. A superficialidade da abordagem induziu a organização em engano. Por isso, muitos defendem hoje que é a própria credibilidade da CEDEAO que está em causa, perante os passos em falso já dados. Não há dúvida que a CEDEAO teve a infelicidade de se deixar atolar no nosso lamaçal. Passámos pela vergonha de ouvir o Chefe de Estado do Gana se nos dirigir em termos pouco próprios, mesmo que com eventuais e possíveis fundamentos. Ai, Cabral! Tu, que Mandela considerou o maior dos líderes africanos, se pudesses e te fosse consentido cá voltar para ver a fraca figura que oferecemos ao mundo! ..que fizeram da tua pátria? Hoje, dia 4 de junho de 2017, discute-se, na Conferência de Chefes de Estado da CEDEAO, a situação de crise institucional vigente na Guiné-Bissau, nosso país, bem como a possibilidade de aplicação de sanções.

O meu abandono da vida partidária não significava, como julgo que já deixei bem claro, que abandonasse a política. Mesmo como «independente» e simples cidadã mantenho o meu empenho e a minha disponibilidade para participar de um verdadeiro debate positivo em torno do futuro do meu país. Esse abandono, mais não exprimia que a minha REVOLTA, a minha RAIVA face ao evoluir, ou mais propriamente involuir, da situação, que, como temia, continuou a degradar-se e hoje atingiu o seu paroxismo. Por isso entendo útil partilhar a minha opinião, como jurista e mulher guineense que sou. Para além dos erros cometidos aquando da assinatura do Acordo de Conacri, tanto da parte guineense, como por parte da CEDEAO, julgo que a monitorização empreendida, aliás prevista no próprio Acordo, também não foi muito feliz. Dando provas de impaciência com a manutenção do impasse, a Comunidade Económica enviou a Bissau, nos passados dias 23 e 24 de abril, uma Missão Ministerial de Alto Nível, que emitiu um Comunicado Final. Esse comunicado acabaria por ser seguido por um outro, do Conselho de Segurança da ONU, dando conta do acompanhamento da situação. Contudo, para além da falta de argumentação (que afeta sem dúvida gravemente a sua legitimidade) quanto às razões pelas quais entendem que o Acordo visado não foi cumprido, enferma de graves vícios de forma. Um deles ocorre na alínea h do ponto 9, na qual aparentemente a Missão reconhece o Governo que supostamente pretende substituir. Outro ponto que se revestia de pouca clareza, tendo-se prestado às divergentes leituras enviesadas e parciais a que os principais atores já nos habituaram, é a ameaça da recomendação, à Autoridade dos Chefes de Estado, cuja Conferência hoje decorre, para aplicação de sanções direcionadas aos indivíduos responsáveis pela obstaculização do Acordo no âmbito da CEDEAO, estipulando mesmo um prazo de trinta dias, não coincidente com a data da respetiva Conferência. Quando se fazem ameaças desta natureza, estas devem ser cumpridas, de alguma forma, no prazo definido, sob pena de descrédito. Todavia, como assistimos, apesar das fortes expectativas alimentadas por alguns em contagens decrescentes, nada aconteceu na data marcada. Nem poderia acontecer, pois o Tratado Revisto da CEDEAO, que dedica o seu art.º 77.º à aplicação de sanções, não prevê esse tipo de sanções, mas apenas sanções coletivas e genéricas ao país. Neste caso, a legislação sub-regional está bastante mais atrasada que a da ONU, que tem evoluído, neste século, precisamente no sentido de sanções cada vez mais direcionadas, após reconhecer que muitas sanções coletivas, tomadas no passado, acabaram não só por prejudicar as populações, mas mesmo por ter um efeito pernicioso. Um exemplo dessa evolução aconteceu ontem mesmo, com a aplicação de sanções a 15 indivíduos e 2 organizações empresariais norte-coreanas, no âmbito do programa de teste e lançamento de mísseis balísticos desse país. Portanto, em termos de Direito, a CEDEAO poderá apenas recomendar ao Conselho de Segurança a aprovação desse género de sanções, transpondo em seguida uma eventual decisão para o âmbito sub-regional dos seus Estados-Membros, como o fez a União Europeia em relação aos militares guineenses envolvidos no 12 de abril de 2012. Enquanto nada garante que subsista um consenso mínimo de dois terços para a tomada de qualquer decisão nesta conferência de Chefes de Estado, os atores guineenses continuam no puxa-puxa, antecipando cada parte a aplicação de sanções à outra parte. Se a CEDEAO não conseguir resolver a crise guineense, não é displicente imaginar que, por um efeito contrário de ressalto, se possa deixar contaminar pela grande confusão.

Mas, como a esperança é a última a morrer, mesmo perante o céu tingido e as nuvens que ensombram o nosso destino coletivo, não poderia terminar sem voltar à primeira questão que me fez Djamanca, a quem agradeço por toda esta reflexão que em mim despertou. Abordou-me de imediato com uma pergunta à qual talvez tenha parecido aos telespectadores que me esquivei. Porém, seria impossível responder a uma questão dessa amplitude sem uma bateria de perguntas que tivessem preparado o campo. Perguntou-me ele que solução encarava para o país, atendendo à entristecedora situação em que nos encontramos. Num esboço rápido de resposta, diria que só uma REVOLUÇÃO, uma RUTURA radical com este sistema político, uma REFUNDAÇÃO total do Estado, voltando à estaca zero, um desenho ex-novo da nossa arquitetura constitucional, poderia encarrilar a Guiné-Bissau, na senda do séc. XXI. Como defendi no programa, se em 2001, já se equacionava a necessidade de uma Nova Constituinte, face a uma Constituição essencialmente decalcada da portuguesa de 1976, hoje, por maioria de razões, isso tornou-se num imperativo inadiável. Naturalmente que, considerando as nossas especificidades, tais como o poder tradicional, mas também os erros cometidos, os vícios detetados no passado, no sentido de gerar uma nova orgânica que convenha à nossa identidade, às nossas idiossincrasias, e que sirva de motor para uma renovação e depuração das mentalidades. Ademais, num sentido mais restrito do atual contexto político, ocorre-me que o Presidente José Mário Vaz poderia cumprir com as exigências da CEDEAO, demitindo o atual Governo e, para colocar uma pedra sobre o ‘djumblumani na baliza di bás’ (grave discórdia) que criámos e que não pertence senão a nós próprios resolver, optar por uma solução original, que poderia consistir, à imagem do Acordo de Conacri, na escolha de três nomes independentes da sua confiança para a Chefia do Governo, promovendo um Plenário Parlamentar sob a sua égide, ao qual seria submetida essa escolha, ficando assim tacitamente garantida a aprovação dos respetivos instrumentos de governação, dos quais carece para cumprir cabalmente as suas funções. Se pudemos «maltratar» a Constituição a favor de expedientes externos, há espaço e precedente para um contributo positivo que empodere o país e recupere a soberania ingloriamente desperdiçada, poupando a CEDEAO aos riscos e perigos de se envolver em profundidade em soluções paliativas e inconsequentes.